Acajutiba (BA)
Avizinhava-se a década de 20 quando Afonso de Escragnolle Taunay escreveu São Paulo nos primeiros anos e São Paulo no século XVI.2 Inaugurava, com essas obras, a sua narrativa da epopéia paulista3 a partir da "reconstituição" do cotidiano de homens que enfrentaram "a selva aspérrima",4 imbuídos da missão de constituir um "posto avançado da civilização" e expandir os limites do território pelo "oeste infindo".5
O autor desses textos vinha se dedicando à "investigação histórica" desde 1910, ano da publicação de seu primeiro livro vinculado à "trama da alma brasileira"6 O romance histórico, Chronica do tempo dos Philippes,7 em razão do esforço de pesquisa, foi considerado suficiente para sua entrada, em 1911, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. A exceção aberta nessa eleição, já que pelos regulamentos desses institutos apenas seriam eleitos autores com trabalhos científicos nas áreas de história, geografia e afins, marcou o ingresso institucional desse engenheiro civil na seara da história.
Os compromissos da confraria possibilitaram um contato mais estreito com as temáticas privilegiadas no período, além de criarem um espaço de discussão e publicação dos textos. Assim, nos próximos anos, 1914 e 1915, ele publicaria dois estudos a respeito daqueles que considerava os primeiros historiadores do bandeirismo, Pedro Taques8 e Frei Gaspar da Madre de Deus,9 nos quais pôde apresentar suas aproximações iniciais do tema que o consagraria no cenário intelectual: a narrativa da "conquista do Brasil pelos brasileiros"10
Essa significou uma mudança fundamental na perspectiva historiogr áfica, não apenas uma virada temática, mas uma guinada, sobretudo, no tipo de história que se queria produzir a respeito do Brasil. Verdade e método entraram na ordem do dia como grandes questões para os escritores das primeiras décadas do século XX.
A herança ibérica e a obra administrativa da coroa imperial que ocupavam a primeira cena na história político-administrativa e biográfica realizada por Robert Southey e por Francisco Adolfo Varnhagen dão lugar aos indígenas, à miscigenação, aos costumes, ao clima e à conquista do sertão em Capítulos de história colonial.11 Caracterizado como revisionista e criador de um mundo novo,12 redescobridor do Brasil,13 símbolo da influência cientificista, ao menos em sua primeira fase,14 representante de uma nova concepção de verdade na historiografia brasileira,15 ora positivista, ora historicista, João Capistrano de Abreu, ao se interessar pelo método crítico das ciências do espírito, talvez acreditasse que o historiador devesse "reconstituir" a vida integralmente.16
Muitos anos antes de a historiografia formular tais análises de sua obra, Capistrano avaliou e escreveu, certa vez, a Afonso de Taunay: "Quando as críticas se apurarem, reconhecerão que seu pai foi o primeiro dentre nós que descreveu os sertões de experiência e autópsia, não de chic: antes dele só houvera estrangeiros".17
Capistrano de Abreu ressaltou a primazia de Alfredo de Escragnolle Taunay no desbravamento dos sertões, conferindo destaque à visão apresentada nas narrativas. O autor de Visões do sertão,18 somente após minucioso estudo realizado quando voltava da campanha que o tornou conhecido - A retirada da laguna19 -, pôde descrever as facetas daquele mundo novo que observou. A partir dessa leitura apresentada por Capistrano e tomando um dos sentidos da palavra "autópsia"20 empregada para qualificar a obra de Alfredo Taunay é possível compreender aquilo que se distinguia nessas obras: o elemento que mereceu destaque na avaliação de Capistrano foi o "exame de si mesmo" feito pelo autor de Inocência,21 ou seja, descreveu os sertões como parte do Brasil, num momento em que integrava uma campanha cujo objetivo era defender as fronteiras diante do inimigo paraguaio. Não era mais um estrangeiro acentuando o exótico do mundo alheio ao dele e nem mesmo mais um escritor que na década de 20 enveredava por este tema para aproveitar-se da "moda" vigente.
Mesmo contemplando as diferenças existentes entre o "mundo externo ao sertão" e o "sertão paradisíaco e inóspito", Alfredo Taunay analisou o sertão sentindo-se parte dele e, portanto, relacionando-se com o objeto de análise não como o "outro", mas como o "mesmo" ainda desconhecido que deveria vir à luz para os brasileiros, principalmente para os parlamentares cujos projetos políticos, muitas vezes, eram inadequados, na opinião dele, devido ao desconhecimento do território.
Com o correr dos anos, a crítica apurada não reputou a Alfredo Taunay o primado desta investida na análise do sertão. A primazia foi destinada a Capistrano de Abreu, que encaminharia Afonso de Taunay para os rumos desses sertões trilhados por Alfredo.
Dessa forma, antes mesmo de redefinir os caminhos da história no início do século, a perspectiva historiográfica de Capistrano de Abreu representou elemento decisivo frente às escolhas de Afonso de Taunay e de um grande rol de escritores do período. Após um primeiro contato ocorrido em 1888 durante algumas lições particulares, em uma visita, já em 1902, Taunay confessou-lhe o desejo de escrever história, fato narrado aos sócios do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em 1939, ano em que assumiu a presidência honorária desta instituição:
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