Poema estratégia de esquivar do meu tempo
Basta de jogo de palavras,
de artifícios de sintaxe,
de malabarismos formais;
precisamos encontrar – agora –
a grande Lei do coração,
a Lei que não seja uma Lei, uma prisão,
senão um guia para o espírito perdido
em seu próprio labirinto.
Além daquilo que a ciência jamais poderá alcançar,
Ali onde os raios da razão se quebram contra as nuvens,
esse labirinto existe,
núcleo para o qual convergem todas as forças do ser,
as últimas nervuras do espírito
Discurso por ocasião de um congresso internacional de pessoas jurídicas (Bruno Brum)
Nunca conversei com uma empresa.
As empresas estão sempre ocupadas e não costumam
falar com estranhos.
Nunca trabalhei em uma empresa.
As empresas almoçam todos os dias no self-service mais
próximo e falam diversas línguas com perfeição.
Nas empresas há pessoas que seguram copos de uísque
como se segurassem caralhos.
Nas empresas há pessoas que se masturbam no banheiro
no horário do almoço.
Trabalho na mesma empresa há muitos anos.
Dormimos
na mesma cama e todas as noites ela abre as pernas para mim.
As empresas estão sempre abertas e de bom humor.
As empresas sempre dizem bom dia, boa tarde, boa noite.
Há sempre muitas empresas à disposição quando preciso, por isso não me preocupo.
As empresas dizem todos os dias que não devo me pre-
ocupar, mas eu já não me preocupava bem antes de elas
dizerem isso
As empresas sabem todos os meus segredos, mas não os revelam a ninguém.
As empresas sempre sabem o que fazer em qualquer situação.
Por isso não me preocupo.
Há pessoas que insistem em discutir o sexo das empresas.
E também as que preferem não tocar no assunto.
Empresas nunca ficam sem assunto. São capazes de conversar durante horas sobre qualquer coisa.
Empresas nunca perdem o sentido ou a razão.
Empresas nunca se atrasam.
Todos sabem onde vivem as empresas. Elas estão sempre abertas e de bom humor.
Trabalho na mesma empresa há muitos anos e até hoje não sei o seu nome, função, razão social ou CNPJ, mas não a culpo por isso.
As empresas estão sempre ocupadas, todos os dias, incluindo finais de semana e feriados religiosos.
Empresas possuem bordões e usam sempre as mesmas fantasias, como os super-heróis.
Empresas acabam e recomeçam todos os dias, como as novelas e os seriados.
Trabalhei em uma empresa durante dezoito semanas e faltei todos os dias.
Eu sei como funcionam as empresas, mesmo sem nunca ter estado nelas.
Empresas sempre funcionam.
Há pessoas que se dedicam ao estudo do comportamento das empresas.
Há empresas que se destacam por apostar no potencial das pessoas.
Geri diversas empresas imaginárias na infância. Nenhuma faliu.
As empresas podem ser de diversos tamanhos, como os cães, as pizzas e as estrelas.
Todos os dias acordo cedo e caminho até a porta de uma empresa, mas não entro.
Não tenho uma ideia clara do que possa ser uma empresa.
Algumas empresas se parecem com famílias.
Algumas famílias se parecem com empresas.
Especula-se a existência de empresas em outros planetas do Sistema Solar.
Estima-se que fóssil com idade aproximada de cinquenta mil anos possa pertencer à mais antiga empresa do mundo.
Empresas sempre dizem a verdade.
Empresas nunca se divertem.
Me lembro com nitidez da primeira vez em que conheci uma empresa.
Não costumo falar com empresas estranhas.
Nunca pisei em uma empresa.
Empresas não falam sozinhas.
Meu primeiro presente de aniversário foi uma empresa.
A maternidade onde nasci era na verdade uma empresa.
Algumas pessoas conversam com empresas como se fossem pessoas.
Algumas empresas conversam com pessoas como se fossem empresas.
Nunca conversei com uma empresa.
Nunca conversei com uma pessoa.
A noite não adormece
nos olhos das mulheres
a lua fêmea, semelhante nossa,
em vigília atenta vigia
a nossa memória.
A noite não adormece
nos olhos das mulheres
há mais olhos que sono
onde lágrimas suspensas
virgulam o lapso
de nossas molhadas lembranças
trecho do livro O poeta não existe (Dora Ribeiro)
dentro de muito poucas horas
a censura
sobre a nossa capacidade de predizer o futuro
cairá
e não nos restará proteção
leio isto num manual de instruções
e penso novamente na hipótese da poesia
Não te renda jamais (Eduardo Alves da Costa)
Procura acrescentar um côvado
à tua altura. Que o mundo está
à míngua de valores
e um homem de estatura justifica
a existência de um milhão de pigmeus
a navegar na rota previsível
entre a impostura e a mesquinhez
dos filisteus. Ergue-te desse oceano
que dócil se derrama sobre a areia
e busca as profundezas, o tumulto
do sangue a irromper na veia
contra os diques do cinismo
e os rochedos de torpezas
que as nações antepõem a seus rebeldes.
Não te rendas jamais, nunca te entregues,
foge das redes, expande teu destino.
E caso fiques tão só que nem mesmo um cão
venha te lamber a mão,
atira-te contra as escarpas
de tua angústia e explode
em grito, em raiva, em pranto.
Porque desse teu gesto
há de nascer o Espanto.
E para que ser poeta em tempos de penúria? (Fernando Monteiro)
Insepulta jaz a pergunta acima
e bem acima do motivo
supostamente íntimo
visto no verso de um dos últimos poemas de Roberto Piva.
A inquirição, franca, fende a fina porcelana de cera dos ouvidos.
Sabemos da penúria,
porém não queremos saber dela.
Plantamos a flor carnívora,
mas desviamos a vista
quando o jardim do pecado
castiga com isso:
indiferença, acídia, tédio mortal
no peito de avestruzes
(os do estômago forte
para literatura feita
com lixo).
O poema (Lau Siqueira)
dentro de mim
morreram muitos tigres
os que ficaram
no entanto
são livres
Sem crime de responsabilidade (Líria Porto)
uma onda
daquelas devastadoras
que invadem além da praia
e causam tantos estragos
à vida do povo
um tsunami
é golpe
Quadrilha (Lívia Natália)
Maria não amava João.
Apenas idolatrava seus pés escuros
Quando João Morreu
Assassinado pela PM
Maria guardou todos os seus sapatos.
Defesa da alegria (Mario Benedetti)
Defender a alegria como uma trincheira...
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas
defender a alegria por princípio
defendê-la do pasmo e dos pesadelos
assim dos neutrais e dos neutrões
das infâmias doces
e dos graves diagnósticos
defender a alegria como bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingênuos e também dos canalhas
da retórica e das paragens cardíacas
das endemias e das academias
defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e homicidas
do descanso e do cansaço
e da obrigação de estar alegre
defender a alegria como uma certeza
defendê-la do óxido e da ronha
da famigerada patina do tempo
do relento e do oportunismo
ou dos proxenetas do riso
defender a alegria como um direito
defendê-la de Deus e do Inverno
das maiúsculas e da morte
dos apelidos e dos lamentos
do azar
e também da alegria
Em primeiro lugar, não se desespere e em caso de agitação não siga as regras que o furacão quererá lhe impor.
Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo.
Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.
Não deixe que a estupidez se imponha.
Defenda-se.
Contra a estética, ética.
Esteja sempre atento.
Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo com sua própria tristeza.
Ria ostensivamente.
Tire sarro: a direita é mal comida.
Será imprescindível jantar juntos a cada dia até que a tormenta passe.
São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.
Diga para o lado bom dia, por favor e obrigado.
E tomar no cu quando o solicitem de cima.
Dê tudo o que tiver, mas nunca sozinho.
Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde.
Lembre que os artistas serão sempre nossos.
E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha.
Tudo vai ficar bem se você me ouvir.
Sobreviveremos novamente, estamos maduros.
Cuidemos dos garotos, que eles quererão podar.
Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades.
Devemos ter à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão.
Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária.
Ser piedosos com os amigos.
Não confundir os ingênuos com os traidores.
E, mesmo com estes, ter o perdão fácil quando voltarem com as ilusões acabadas.
Aqui ninguém sobra.
E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.
Ainda sustentados em teimosias
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